Incentivo muda a realidade de detentas da Piep há 60 anos

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Incentivo dos profissionais da educação e do corpo técnico muda a realidade de detentas da Piep há 60 anos

Detenta colocou no correio a prova com um dez em matemática para que sua mãe ficasse orgulhosa do seu retorno à sala de aula

 

Comemorar uma nota dez em matemática não tem idade, especialmente quando se está presa e a estudante abandonou a sala de aula ainda no quinto ano do Ensino Fundamental. Isso aconteceu com a detenta/aluna Ana Paula Santos, 37 anos, do Complexo Penitenciário Estevão Pinto (Piep), em Belo Horizonte.

Ela, como muitas outras, voltou a estudar com o incentivo das pedagogas e professores da unidade prisional. As detentas da Piep estudam na Escola Estadual Estevão Pinto, que funciona dentro do complexo e completará 60 anos. São 90 alunas matriculadas, distribuídas em 12 turmas na modalidade Educação de Jovens e Adultos.

Miriam dos Santos e Priscilla Zocrato, pedagogas do Complexo Penitenciário, explicam que as detentas, de um modo geral, chegam com defasagem escolar e dificuldades de aprendizagem. “Nosso trabalho, dentre outros, é ressignificar o papel da escola e sensibilizar para a importância do estudo em suas vidas”, esclarece Priscilla. 

Pedagogas, professoras e a diretora da escola estadual têm conseguido ajudar as detentas a descobrir um novo sentido para a educação. Aquela prova de Matemática da Ana Paula foi parar em Montes Claros, dentro de uma carta enviada para a sua mãe.

“Quis compartilhar com ela da minha alegria. Tive oportunidade de estudar, mas não soube aproveitar. Agora estou realmente me dedicando e curso o 1º ano do Ensino Médio”, reflete.

Além de entrevistas e conversas para sensibilizar as detentas, a Piep trabalha com o Projeto de Remição pela Leitura, adotado em várias unidades prisionais do Estado. Mediante a leitura de livros previamente selecionados e a produção de uma resenha, que precisa ser aprovada por professores e pelo Juiz da Comarca, as detentas podem conseguir remição de quatro dias na pena por cada livro. No projeto há um limite de 12 livros por ano para a remição, o que pode proporcionar a redução de 48 dias anuais na pena.

 

Descoberta

A participação no Projeto de Remição pela Leitura levou a detenta Marta Lúcia Freitas Ferrer, 52 anos, a retornar definitivamente às aulas na escola da Penitenciária Estevão Pinto. Ela concluiu a leitura e teve a aprovação das resenhas de 12 livros, de setembro de 2016 a dezembro de 2017. 

Atualmente está matriculada no 2º ano do Ensino Médio e frequenta o curso de Gestor de Microempresas do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), cujas aulas são ministradas na unidade prisional. Marta acredita ter inúmeras coisas boas para viver e aprender, além de estar feliz por estudar. “Sinto-me esquecida por muitos, mas outros confiam na mudança do ser humano e, por isso, estão me dando a oportunidade de vencer e crescer”.

Ela leu clássicos da literatura brasileira, como Dom Casmurro, de Machado de Assis; O Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto; O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Além desses, leu outros títulos: Afinal o que querem os homens, de Ariadne M. Albuquerque; O homem que vai comigo, de Garcia de Paiva; O resgate da dívida social e a situação do negro do Brasil, de João Gilberto Parenti Couto, entre outros.  

 

Recompensa

Há duas semanas a pedagoga Miriam dos Santos esteve na apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Direito da ex-detenta Grisellyd Alves. “Foi emocionante! É motivo de orgulho e satisfação ver a reinserção na sociedade por meio da educação”, relatou a pedagoga.

Grisellyd Alves participou do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade 2013 (ENEM PPL) e obteve bolsa integral pelo ProUni, enquanto cumpria pena na Penitenciária Estevão Pinto. Chegou ainda a cursar alguns períodos do curso de Direito, ainda na condição de presa, mediante autorização judicial. Também exerceu funções administrativas no Núcleo de Ensino da Piep. 

As notícias das histórias de superação são dadas pelas próprias egressas, que fazem questão de telefonar para a unidade e contar as vitórias para as servidoras que estimularam e apoiaram o empenho nas mudanças. Falam de casamento, filhos, estudo e trabalho.

A diretora da Escola Estevão Pinto, Luciene Rodrigues, conhece muitas dessas histórias, pois está no cargo há 10 anos. “Elas gostam de compartilhar suas conquistas e às vezes nos convidam para participar. Há poucos anos estive na formatura de duas ex-alunas. Chorei demais”, revela Luciene Rodrigues.

Para a diretora, não importa quais são os motivos que levam uma presa a frequentar as aulas na escola: a possibilidade da remição de pena ou o simples fato de sair da cela. “Esses motivos não sustentam o interesse nas aulas. Aos poucos elas (presas) passam a dar o verdadeiro valor à escola”.